segunda-feira, 9 de março de 2009

Último episódio

O texto abaixo é o último episódio da atual série de histórias do Pastor. A partir de agora essas histórias terão endereço próprio em Contos de Mercury City onde o Pastor se junta à Loira Suicida, o Detetive Azul e um ilusionista misterioso em uma cidade tomada pela corrupção. Aguardem!

O Pastor em - "Morte em pé"

* Continuação dos textos: "Calmaria" e "Uma visão"
Anteriormente: Após investigar a misteriosa mulher com a qual passara a noite, o Pastor chega a um misterioso galpão e cai em uma armadilha.

João 13:11 "Pois ele sabia quem o estava traindo; por isso disse: Nem todos estais limpos."

Acordo com a cabeça pesada. Algumas piscadas rápidas para tentar recobrar a visão. Ainda estou confuso. Passo lentamente na minha cabeça o filme do que aconteceu nos últimos dias. Imagens desconexas, nada faz sentido. Porém tudo só leva a um sentido. O traidor.

Olhos vazios me observam por trás e nem havia percebido. Não até agora.
- Elizabeth Valentino... vadia ordinária. O que você quer comigo?

Viro-me lentamente para observá-la sentada atrás de mim. Porém uma surpresa me salta aos olhos. Ela tem as mãos amarradas, assim como eu. O que Diabos...
- Calma Pastor! Eu não tenho nada a ver com isso, eu juro. - o desespero em sua voz me indica que ela fala a verdade, ou mente como ninguém. - Eles me usaram! Me usaram pra chegar até você! É tudo culpa dele!
Minha cabeça dói mais ainda. Passo a mão na nuca e minha mão volta coberta de sangue, que cobre um galo enorme.
- Penso que não sairemos daqui tão cedo, então é bom você me contar sua história direito. Ai veremos se eu acredito ou não.
O meu tom calmo parece acalmá-la também.
- Foi logo depois que meu pai, você deve conhecê-lo, Luca Valentino, foi preso.
- Dom Valentino. - Confirmo com um gesto de cabeça.
- Isso. Há tempos não tinha mais contato com aquele maldito idiota. E logo depois de sua prisão, começaram a me perseguir pra onde eu ia. Assustada, até cheguei a pedir ajuda praquele detetive que prendeu meu pai.
- E no quê isso te ajudou? - disse com desdém, conhecendo o tipo a quem ela se referia.
- Ele descobriu quem era. Um tal de John Steinberg.

Minha garganta seca. Esse nome. Não pode ser. Não em Mercury City. John "o corpo" Steinberg. Johnny Steinberg. Chame como quiser. Steinberg era o rei do crime em Plant Town, a cidade que fica a Oeste de Mercury City. Quando a cidade se modernizou, toda a corporação da polícia e todos os políticos tiveram suas fichas passadas a limpo. Muitos corruptos fugiram por conta própria, outros estão presos até hoje. Fato é que Plant Town chegou a uma taxa de crime quase zero. Fato é que o crime em Mercury City só cresceu. E agora mais essa. Johhny Steinberg entrando pra galeria de criminosos da cidade. Uma coisa que deve ser levada em conta. Quando Don Valentino comandava o crime, era só ele. Quando ele saiu de cena, o vácuo gerado atraiu tudo que é pilantra que podia atrair. Parabéns Detetive Azul. Imbecil.

- O que aconteceu depois disso? - perguntei, preocupado
- Logo depois de sair da Agência de Detetives, fui pega por uns encapuzados em um carro. Eles me trouxeram pra cá. Steinberg apareceu e mandou que eu fosse atrás de você e te seduzisse. Depois eu deveria fugir e você viria atrás. Chegaria até aqui. Até eles.
- E você topou assim? - faço um movimento rápido de fricção entre o polegar e o dedo médio
- Calma. É claro que não. Mas ele ja tinha pensado nessa hipótese. E então levou-me até outra sala do galpão e mostrou meu irmão pequeno. Prometeu que ia esquarteja-lo na minha frente - seus olhos enchiam de lágrimas. - Eu não podia fazer nada!
Agora Elizabeth chorava copiosamente. Não podia existir atriz tão boa. Com certeza era verdade.
- E eu então topei, desde que eles liberassem meu irmão. Eu fiz tudo direitinho, e quando voltei pra cá... - sua voz volta a embargar - eles tinham matado ele...
Remorso. Há quanto tempo estive contigo, não?
- Me desculpe. Creio que te julguei mal. Mas e quanto ao Quentin?
- Quentin Vega? Meu pai fazia apostas com ele. Muitas. Quando meu pai me expulsou de casa, Quentin me ajudou, com moradia, dinheiro. Meu pai descobriu. Trocou de agente, começou a apostar com aquele Ron Allen.
Outro nome que me dá ânsia. Ron "alicate" Allen. Bookie do centro e da zona Sul de Mercury City, tem muitos clientes poderosos, e muitos clientes ilegais. O apelido alicate vem do fato de ser sua ferramenta favorita para punir os inadimplentes.

Alguma coisa não encaixava. Quentin mentiu pra mim. Por quê? Confesso que as vezes sou menos inteligente do que gostaria. Não tenho tino para detetive, não sei analisar fatos, juntar pistas. Eu gosta da ação. A boa e velha ação. Por sorte Elizabeth é menos limitada do que eu.
- Eu tenho um plano.

Se aquele safado não me pagar hoje eu largo essa merda. Não tô sendo pago pra ficar de babá dessa piranha e desse assassino maluco. E por que eu que tenho de ficar aqui, todos lá fora jogando cartas. Mas eu, não. Alguém tem que vigiar os prisioneiros. Mas que diabos...
- Vagabunda! Eu vou te matar safada
- Ahhhh, não faz isso!!! Para! Para!
Ai cacete. Agora ferrou. Vou ter que entrar pra parar esse maluco.

A porta se abre, o plano funcionou. Rapidamente Elizabeth salta detrás da porta e o golpeia na cabeça. Ele deixa sua arma cair.
Um soco na cara, é o que basta pra ele cair pra trás. Com alguns chutes completo o serviço. Ele fica desacordado no chão. Eu tomo sua arma emprestada. Saímos rapidamente da sala e passamos por um corredor sujo que vai dar em uma sala de máquinas velhas e enferrujadas. No centro, iluminada por uma luz fraca, uma mesa. Ao redor da mesa, 5 capangas de Johnny Steiberg jogam cartas. É hora do show. Escondido atrás de uma máquina grande, consigo dar dois tiros certeiros antes dos outros três levantarem-se. Me deito e vou rastejando até outra das máquinas. Os três estão assustados, gritando para tentar me intimidar. Eles não conhecem o medo. Um deles tenta dar a volta por tras da maquina onde eu estava. Acerto- com um tiro na nuca. Só tenho mais duas balas. Dois homens. Corro rapidamente de trás da máquina e avanço em direção a eles, mas só vejo um. Atiro uma vez, entre os olhos e ele cai morto. Porém novamente deixei a ação dominar meus instintos e não percebo a minha burrice. Por trás de mim o capanga restante avança ferozmente e acerta uma facada. A sorte foi que ainda consigo desviar o mínimo para impedir que a faca me acerte o pescoço e ela se enterra em meu ombro. Eu caio no chão, ele retira a faca e antes que possa acertar outro golpe, Elizabeth o acerta com um tiro no ouvido. Ela caminha em direção a ele e dá mais três disparos. Seus olhos voltam a brilhar, cheios de lágrimas.

Nada pode explicar o que sinto agora. Fúria. Ressentimento. Decepção. Dor fulminante. Meu braço aparenta estar caindo do ombro. Vou cambaleando com Elizabeth até um dos carros parados no interior do galpão e peço pra ela dirigir até o Hot Space, antes disso, algo me chama a atenção em cima de uma mesa. Pego com pressa, ponho no meu sobretudo e entro no carro. O acerto de contas começa agora. O traidor vai pagar.

Chegamos rapidamente à frente do Brady's. Ao entrar peço para todos saírem, inclusive o Sr. Bulsara. Tranco a porta. Só

Quentin e Sammy ficam pra dentro. Puxo Quentin pelo colarinho até ele parar em minha frente. Peço a Sammy pra ficar ao meu lado. Volto-me para Quentin novamente. Com a arma apontada para seu rosto, vejo o medo em seu olhar.
-Apague a luz e conte-me uma história sobre a ruína de um homem, que eu te falarei sobre desejos sombrios e falsidade. Você me fala sobre suas ações , vontades e fraquezas e eu vou dizer como é o caminho a seguir. Só você sabe como o homem chegou ao fim, mas só eu sei como a história vai terminar.
Quentin gagueja mas começa a falar.
- Be-bem. Ela é como uma filha pra mim, Ray... Não podia arriscar seu bem-estar deixando-a entrar no seu mundo, no nosso mundo.
- Veja bem Quentin, nesse momento você não tem o controle nem de sua vida. Como queria ter controle da vida de outra pessoa, é muita pretensão, não acha?- enquanto falo, vou circulando ao redor de Quentin, que me olha assustado.
- O que você queria, hein Ray? Que eu te levasse até ela? Pra você matá-la sem perguntar por que? Não se resolve tudo na bala.
- Não queira me ensinar nada, seu tapado. Nada é o que parece. Acredite em mim. Hoje, tudo se resolve na bala. - aponto a arma pra cabeça de Quentin, que fecha os olhos. Elizabeth se desespera.
- Não faz isso, pastor! Ele não fez nada, não tem culpa de nada!- ela agarra o meu braço. Meu ombro dói como nunca. Com um movimento, a afasto o bastante para atirar.
- Hoje você morre, traidor.
Quentin fecha os olhos. O disparo ecoa pelo Brady's. O cheiro de pólvora toma o ambiente. Quentin estranha. Ele ouve o eco do tiro, sente o cheiro da pólvora. Alguma coisa está errada. Ao abrir o olho se depara com minha mão estendida em sua direção.
Ao olhar pro lado, enxerga o corpo de Sammy. Ele levanta-se rapidamente e vai até o corpo.
-Por que fez isso?
- É ele, Quentin. Sempre foi ele. Esse safado, me jogou contra você. Não preciso ser o cara mais inteligente pra perceber as más intenções desse idiota. E outra. No galpão, tive tempo de pegar isso sobre a mesa. - tiro do meu sobretudo uma foto. A mesma foto que Sammy mostrara pra mim mais cedo.
- Venha Pastor, vou te levar pro Hospital. - Diz Elizabeth.
- Esqueça, garota. Não piso em hospitais. Tenho meus próprios meios de cuidar desse probleminha. E antes de tudo vamos voltar ao Machines, esqueci algo.

Voltamos ao mesmo galpão de algumas horas antes. O cheiro de morte já havia tomado o local. Não preciso de muito tempo para encontrá-la. Lá está ela. Rita. Impávida, apesar da barbárie. Como sou incompleto sem você. Rita. Tomo-a em minhas mãos com todo o carinho, para depois deitá-la no coldre. Dou Uma última olhada em volta. O silêncio é mortal. Prometo que muitos se
juntarão a esses infelizes durante minha caçada. Johnny Steinberg não sabe aonde se meteu, e vai se arrepender disso. Eu prometo.

Salmo 91:7 "Mil poderão cair ao teu lado, e dez mil à tua direita; mas tu não serás atingido."