quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Dica cultural

Essa é curtinha:
Assista a todos os documentários do Michael Moore*. Já assistiu? Ótimo. Revolte-se contra o imperialismo norte-americano e Bush e suas mentiras satânicas. Acalme-se um pouco.
Acalmou?
Agora assista "Fabricando Polêmica" de Rick Caine e Debbie Melnyk e tire suas próprias conclusões. Depois se quiser, comente comigo.
Obrigado

*Um agradecimento especial pra Lyvia pela correção ;D

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Divagação: paquidermes e caminhos

Caro leitor. Peço sua atenção para a história que vou lhe contar. Antes de tudo, sugiro uma canção para acompanhar. Dê play em “Strawberry Fields Forever”. Ouça as notas iniciais e deixe a melodia te guiar daqui pra frente.

O jovem que temos sentado à beira d’água esteve caminhando há um bom tempo. Ele sente que esse é o caminho correto, com certeza. Mas continua sem saber onde vai dar. Olhando o reflexo do sol na água, ele fecha os olhos. E ele hesita...

(Faço uma pausa aqui pra que você preste atenção nesse trecho da música que indiquei:
“Living is easy with eyes closed
Misunderstanding all you see
Its getting hard to be someone, but it all works out
It doesnt matter much to me”
Agora voltemos à história)

Após os momentos de incerteza ele reabre os olhos. Por um instante, ele vê o seu futuro na água.

E olhando pro futuro, lembra-se do passado. Dos que o acompanharam, que se perderam no meio do caminho. Lembra-se de uma, que o concedeu a força pra continuar por algum tempo, em corpo presente. E agora ela o encoraja de longe, talvez sem nem saber que assim o faz. Talvez ela esqueceu, quem sabe? Confuso, ele volta a caminhar.

Após algum tempo depara-se com uma grande montanha. Tenso, olha em direção ao cume e suspira... tem uma subida difícil pela frente.
No meio da subida, o corpo amolece, a cabeça gira. Ele teme que sua jornada esteja ameaçada. Cai de joelhos no chão de terra e pedra. Quando ajoelhado, chora lembrando do que passara. (veja, caro leitor, que o nosso herói comete um erro comum a todos nessa situação. Desesperado, ele não pensa em alternativas pra seguir o caminho. Somente lamenta.)

Mas veja! A sorte sorri novamente para o nosso sofrido protagonista. Aos poucos, uma manada de homens elefantes se aproxima do rapaz. Tomados de compaixão pelo estranho decomposto em lágrimas, o levantam e carregam-no no colo sem dizer uma palavra. Abismado, assustado, extasiado, aliviado, o jovem desmaia nos braços dos homens elefantes.

(Creio nesse instante que a música já tenha terminado. Peço então que coloque “The Fool on the Hill” pra tocar.)

Ao acordar, o bravo caminhante se depara com uma das visões mais lindas que já viu. Perceba mais uma vez os olhos marejados. Desta vez, são as lágrimas do dever cumprido. Ele está no topo da montanha. Os homens elefantes ainda estão ao seu lado, sorridentes. Ele agradece muito e dá alguns passos em direção à beira do penhasco que se apresenta à sua frente. Ele agacha e se coloca numa posição confortável... Seus olhos buscam o horizonte. Sua alma, o infinito.
De um lado, ele vê todo o caminho que percorreu até aqui. Do outro, tudo o que ainda tem pela frente. Ele passa o dia inteiro olhando maravilhado toda a beleza da Criação. Ao entardecer, os homens elefantes se reaproximam e põe as mãos (patas?) em seus ombros, como que dizendo: “- Vai em frente, garoto. Você chega lá. Estamos contigo nessa!”. A noite cai.Nessa hora você deve ouvir “Here Comes the Sun”


Depois de acampar durante a noite no cume da montanha, o guerreiro desperta revigorado no dia seguinte. Ele está sozinho novamente, mas se sente acompanhado pela garra e vontade dos paquidermes que o salvaram na noite anterior. O ar fresco enche o seu pulmão de vida e ele dá o primeiro passo pro resto de sua caminhada. Seus passos seguintes são seguros, decididos, já que a cada metro vencido, a cada desilusão esquecida, a cada montanha ultrapassada, ele relembra as palavras amigas dos homens elefantes. Pois ele carrega no peito a promessa feita de que eles sempre estarão por lá.

E os elefantes nunca esquecem.
*O meu agradecimento a todos os homens (e mulheres) elefantes que me levam a subir montanhas por aí
** Fotos minhas (com exceção Foto 2 de Márcio Brigo e foto 5 que não me recordo de quem é)

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Wedding Bells Are Breaking Up That Old Gang of Mine


Not a soul down on the corner,
That's a pretty certain sign,
That wedding bells are breaking up that old gang of mine.
All the boys are singing love songs,
They forgot "Sweet Adeline,"
Those wedding bells are breaking up that old gang of mine.
There goes Jack, there goes Jim,
Down to lover's lane.
Now and then we meet again,
But they don't seem the same.
Gee, I get a lonesome feeling,
When I hear those church bells chime,
Those wedding bells are breaking up that old gang of mine.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Caminhada

- Ei, amigo! Por que caminhas tão rápido.
- Pois tenho pressa em chegar.

- E para onde vais?
- Ainda não sei.

- Mas então por que tens pressa?
- Pra saber pra onde vou.

- Não entendo. Caminhas pra um rumo incerto, e ainda assim pareces tão convicto.
- Não estou convicto, somente caminho.

- Se não tens certeza, por que vais?
- Pois muito e muitos me esperam lá.

- E como sabes que vai chegar?
- Não sei.

- Perdoe-me, mas para mim, perdeste a razão.
- Provavelmente.

- Incomoda-te se eu caminhar contigo?

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Brilho eterno de uma mente sem cheia de lembranças

Ê saudade
Aquela de estar aqui, às 3 da tarde de plena quarta-feira.
Das reuniões de sexta à tarde, assistindo filme, pra depois fazer zuada como doidos. Como jovens.
Dos passeios sem rumo na Paulista. Dos passeios paulistanos sem rumo.
Das sessões musicais, regadas à base de amizade e descontração.

Ê saudade
Aquela de não estar aqui, às 11 da noite de uma quinta-feira.
Das partidas históricas no Bola 7. Com uniforme da escola e tudo.
Das bebedeiras históricas em fins de semana a la Woodstock na Vila Oliveira.
Das conversas sem fim, varando madrugadas. De varar madrugadas procurando o fim de uma conversa.

Ê saudade
Aquela de ficar na rodinha falando mal de todos, e bem de todas.
Das Tchulas. Das redações. Dos torneios de Jan-Ken-Po. Das modinhas itinerantes.
Das brigas. Das discussões. Das controvérsias. Das intrigas
Das risadas. Dos conselhos. Da união. Da camaradagem.

Ê saudade
Aquela de não se sentir responsável por tudo que dá errado na vida.
De acordar por acordar. Sem querer mesmo.
De descansar por descansar. Querendo por querer.
De não planejar o fim de semana, o meio da semana, o início da semana

Ê saudade
Aquela que bate quando menos se espera.
Das coisas pequenas que engrandeceram.
Das coisas grandes que agora não fazem tanta diferença.
De poder ser eu mesmo. Só pra variar.

É, saudade.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Último episódio

O texto abaixo é o último episódio da atual série de histórias do Pastor. A partir de agora essas histórias terão endereço próprio em Contos de Mercury City onde o Pastor se junta à Loira Suicida, o Detetive Azul e um ilusionista misterioso em uma cidade tomada pela corrupção. Aguardem!

O Pastor em - "Morte em pé"

* Continuação dos textos: "Calmaria" e "Uma visão"
Anteriormente: Após investigar a misteriosa mulher com a qual passara a noite, o Pastor chega a um misterioso galpão e cai em uma armadilha.

João 13:11 "Pois ele sabia quem o estava traindo; por isso disse: Nem todos estais limpos."

Acordo com a cabeça pesada. Algumas piscadas rápidas para tentar recobrar a visão. Ainda estou confuso. Passo lentamente na minha cabeça o filme do que aconteceu nos últimos dias. Imagens desconexas, nada faz sentido. Porém tudo só leva a um sentido. O traidor.

Olhos vazios me observam por trás e nem havia percebido. Não até agora.
- Elizabeth Valentino... vadia ordinária. O que você quer comigo?

Viro-me lentamente para observá-la sentada atrás de mim. Porém uma surpresa me salta aos olhos. Ela tem as mãos amarradas, assim como eu. O que Diabos...
- Calma Pastor! Eu não tenho nada a ver com isso, eu juro. - o desespero em sua voz me indica que ela fala a verdade, ou mente como ninguém. - Eles me usaram! Me usaram pra chegar até você! É tudo culpa dele!
Minha cabeça dói mais ainda. Passo a mão na nuca e minha mão volta coberta de sangue, que cobre um galo enorme.
- Penso que não sairemos daqui tão cedo, então é bom você me contar sua história direito. Ai veremos se eu acredito ou não.
O meu tom calmo parece acalmá-la também.
- Foi logo depois que meu pai, você deve conhecê-lo, Luca Valentino, foi preso.
- Dom Valentino. - Confirmo com um gesto de cabeça.
- Isso. Há tempos não tinha mais contato com aquele maldito idiota. E logo depois de sua prisão, começaram a me perseguir pra onde eu ia. Assustada, até cheguei a pedir ajuda praquele detetive que prendeu meu pai.
- E no quê isso te ajudou? - disse com desdém, conhecendo o tipo a quem ela se referia.
- Ele descobriu quem era. Um tal de John Steinberg.

Minha garganta seca. Esse nome. Não pode ser. Não em Mercury City. John "o corpo" Steinberg. Johnny Steinberg. Chame como quiser. Steinberg era o rei do crime em Plant Town, a cidade que fica a Oeste de Mercury City. Quando a cidade se modernizou, toda a corporação da polícia e todos os políticos tiveram suas fichas passadas a limpo. Muitos corruptos fugiram por conta própria, outros estão presos até hoje. Fato é que Plant Town chegou a uma taxa de crime quase zero. Fato é que o crime em Mercury City só cresceu. E agora mais essa. Johhny Steinberg entrando pra galeria de criminosos da cidade. Uma coisa que deve ser levada em conta. Quando Don Valentino comandava o crime, era só ele. Quando ele saiu de cena, o vácuo gerado atraiu tudo que é pilantra que podia atrair. Parabéns Detetive Azul. Imbecil.

- O que aconteceu depois disso? - perguntei, preocupado
- Logo depois de sair da Agência de Detetives, fui pega por uns encapuzados em um carro. Eles me trouxeram pra cá. Steinberg apareceu e mandou que eu fosse atrás de você e te seduzisse. Depois eu deveria fugir e você viria atrás. Chegaria até aqui. Até eles.
- E você topou assim? - faço um movimento rápido de fricção entre o polegar e o dedo médio
- Calma. É claro que não. Mas ele ja tinha pensado nessa hipótese. E então levou-me até outra sala do galpão e mostrou meu irmão pequeno. Prometeu que ia esquarteja-lo na minha frente - seus olhos enchiam de lágrimas. - Eu não podia fazer nada!
Agora Elizabeth chorava copiosamente. Não podia existir atriz tão boa. Com certeza era verdade.
- E eu então topei, desde que eles liberassem meu irmão. Eu fiz tudo direitinho, e quando voltei pra cá... - sua voz volta a embargar - eles tinham matado ele...
Remorso. Há quanto tempo estive contigo, não?
- Me desculpe. Creio que te julguei mal. Mas e quanto ao Quentin?
- Quentin Vega? Meu pai fazia apostas com ele. Muitas. Quando meu pai me expulsou de casa, Quentin me ajudou, com moradia, dinheiro. Meu pai descobriu. Trocou de agente, começou a apostar com aquele Ron Allen.
Outro nome que me dá ânsia. Ron "alicate" Allen. Bookie do centro e da zona Sul de Mercury City, tem muitos clientes poderosos, e muitos clientes ilegais. O apelido alicate vem do fato de ser sua ferramenta favorita para punir os inadimplentes.

Alguma coisa não encaixava. Quentin mentiu pra mim. Por quê? Confesso que as vezes sou menos inteligente do que gostaria. Não tenho tino para detetive, não sei analisar fatos, juntar pistas. Eu gosta da ação. A boa e velha ação. Por sorte Elizabeth é menos limitada do que eu.
- Eu tenho um plano.

Se aquele safado não me pagar hoje eu largo essa merda. Não tô sendo pago pra ficar de babá dessa piranha e desse assassino maluco. E por que eu que tenho de ficar aqui, todos lá fora jogando cartas. Mas eu, não. Alguém tem que vigiar os prisioneiros. Mas que diabos...
- Vagabunda! Eu vou te matar safada
- Ahhhh, não faz isso!!! Para! Para!
Ai cacete. Agora ferrou. Vou ter que entrar pra parar esse maluco.

A porta se abre, o plano funcionou. Rapidamente Elizabeth salta detrás da porta e o golpeia na cabeça. Ele deixa sua arma cair.
Um soco na cara, é o que basta pra ele cair pra trás. Com alguns chutes completo o serviço. Ele fica desacordado no chão. Eu tomo sua arma emprestada. Saímos rapidamente da sala e passamos por um corredor sujo que vai dar em uma sala de máquinas velhas e enferrujadas. No centro, iluminada por uma luz fraca, uma mesa. Ao redor da mesa, 5 capangas de Johnny Steiberg jogam cartas. É hora do show. Escondido atrás de uma máquina grande, consigo dar dois tiros certeiros antes dos outros três levantarem-se. Me deito e vou rastejando até outra das máquinas. Os três estão assustados, gritando para tentar me intimidar. Eles não conhecem o medo. Um deles tenta dar a volta por tras da maquina onde eu estava. Acerto- com um tiro na nuca. Só tenho mais duas balas. Dois homens. Corro rapidamente de trás da máquina e avanço em direção a eles, mas só vejo um. Atiro uma vez, entre os olhos e ele cai morto. Porém novamente deixei a ação dominar meus instintos e não percebo a minha burrice. Por trás de mim o capanga restante avança ferozmente e acerta uma facada. A sorte foi que ainda consigo desviar o mínimo para impedir que a faca me acerte o pescoço e ela se enterra em meu ombro. Eu caio no chão, ele retira a faca e antes que possa acertar outro golpe, Elizabeth o acerta com um tiro no ouvido. Ela caminha em direção a ele e dá mais três disparos. Seus olhos voltam a brilhar, cheios de lágrimas.

Nada pode explicar o que sinto agora. Fúria. Ressentimento. Decepção. Dor fulminante. Meu braço aparenta estar caindo do ombro. Vou cambaleando com Elizabeth até um dos carros parados no interior do galpão e peço pra ela dirigir até o Hot Space, antes disso, algo me chama a atenção em cima de uma mesa. Pego com pressa, ponho no meu sobretudo e entro no carro. O acerto de contas começa agora. O traidor vai pagar.

Chegamos rapidamente à frente do Brady's. Ao entrar peço para todos saírem, inclusive o Sr. Bulsara. Tranco a porta. Só

Quentin e Sammy ficam pra dentro. Puxo Quentin pelo colarinho até ele parar em minha frente. Peço a Sammy pra ficar ao meu lado. Volto-me para Quentin novamente. Com a arma apontada para seu rosto, vejo o medo em seu olhar.
-Apague a luz e conte-me uma história sobre a ruína de um homem, que eu te falarei sobre desejos sombrios e falsidade. Você me fala sobre suas ações , vontades e fraquezas e eu vou dizer como é o caminho a seguir. Só você sabe como o homem chegou ao fim, mas só eu sei como a história vai terminar.
Quentin gagueja mas começa a falar.
- Be-bem. Ela é como uma filha pra mim, Ray... Não podia arriscar seu bem-estar deixando-a entrar no seu mundo, no nosso mundo.
- Veja bem Quentin, nesse momento você não tem o controle nem de sua vida. Como queria ter controle da vida de outra pessoa, é muita pretensão, não acha?- enquanto falo, vou circulando ao redor de Quentin, que me olha assustado.
- O que você queria, hein Ray? Que eu te levasse até ela? Pra você matá-la sem perguntar por que? Não se resolve tudo na bala.
- Não queira me ensinar nada, seu tapado. Nada é o que parece. Acredite em mim. Hoje, tudo se resolve na bala. - aponto a arma pra cabeça de Quentin, que fecha os olhos. Elizabeth se desespera.
- Não faz isso, pastor! Ele não fez nada, não tem culpa de nada!- ela agarra o meu braço. Meu ombro dói como nunca. Com um movimento, a afasto o bastante para atirar.
- Hoje você morre, traidor.
Quentin fecha os olhos. O disparo ecoa pelo Brady's. O cheiro de pólvora toma o ambiente. Quentin estranha. Ele ouve o eco do tiro, sente o cheiro da pólvora. Alguma coisa está errada. Ao abrir o olho se depara com minha mão estendida em sua direção.
Ao olhar pro lado, enxerga o corpo de Sammy. Ele levanta-se rapidamente e vai até o corpo.
-Por que fez isso?
- É ele, Quentin. Sempre foi ele. Esse safado, me jogou contra você. Não preciso ser o cara mais inteligente pra perceber as más intenções desse idiota. E outra. No galpão, tive tempo de pegar isso sobre a mesa. - tiro do meu sobretudo uma foto. A mesma foto que Sammy mostrara pra mim mais cedo.
- Venha Pastor, vou te levar pro Hospital. - Diz Elizabeth.
- Esqueça, garota. Não piso em hospitais. Tenho meus próprios meios de cuidar desse probleminha. E antes de tudo vamos voltar ao Machines, esqueci algo.

Voltamos ao mesmo galpão de algumas horas antes. O cheiro de morte já havia tomado o local. Não preciso de muito tempo para encontrá-la. Lá está ela. Rita. Impávida, apesar da barbárie. Como sou incompleto sem você. Rita. Tomo-a em minhas mãos com todo o carinho, para depois deitá-la no coldre. Dou Uma última olhada em volta. O silêncio é mortal. Prometo que muitos se
juntarão a esses infelizes durante minha caçada. Johnny Steinberg não sabe aonde se meteu, e vai se arrepender disso. Eu prometo.

Salmo 91:7 "Mil poderão cair ao teu lado, e dez mil à tua direita; mas tu não serás atingido."

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O Pastor em - "Uma visão"

*continuação do texto Calmaria

Anteriormente: O Pastor estranha a falta de movimentação dos bandidos da cidade e resolve correr atrás de pistas. Quentin o desencoraja pedindo para ele relaxar. O Pastor então se envolve com uma morena misteriosa e os dois vão para um Motel.

Abajur
Teto
Travesseiro

Vagabunda.
Sabia que não era confiável. Por que diabos fui cair nessa armadilha. Que erro de imbecil. Com certeza ela já está voltando com uns 100 gorilas pra acabarem comigo. - olho no meu relógio, à mesa de cabeceira - 14 horas? Como ela levantou da cama sem eu perceber? Sem dúvida uma profissional, não no sentido sujo da palavra. Ou sim, sei lá. - Ouço passos na escada.


Vadia.
Por certo já chegaram. - visto-me rapidamente e saio pela janela à esquerda. O sol está rachando forte. Consigo subir pela placa do motel até o telhado. Lá, paro um segundo pra ordenar meus pensamentos. Olho ao longe, procurando a solução. O calor que sobe dos telhados distorce a visão. O bastante pra indicar que esse verão deverá ser dos mais quentes de Mercury City. Mais um motivo pra eu ter ficado em casa, longe desse inferno. Já com os pensamentos mais em ordem, dirijo-me até o beco de trás do Motel, descendo por uma velha escada de emergências. Obviamente, ela quebra quando estou no meio da descida, e me esborracho de costas em uma caçamba de lixo, obviamente. Volto à rua principal do Motel, não sem antes me certificar de que não havia nenhum carro ou pessoa suspeitos.

Segurança.
Vou rumo ao Norte, rumo ao Hot Space. O bairro mais podre da cidade. O meu bairro. Minha mente só pensa em uma coisa. Encontrar aquela mulher. Com certeza alguém no Brady's pode ter essa informação.
Ao chegar, paro um instante buscando por pessoas que pudessem me dar o que eu queria. A verdade é que nesse horário os vagabundos de Mercury City ainda estão dormindo. Só vejo alguns inúteis inofensivos. Talvez com o dono do bar, o Sr. Mustapha. Mustapha Ibrahim é um imigrante árabe que mudou-se para Mercury City há 25 anos. Foi testemunha da ruína completa e absoluta da cidade. Como um bom sobrevivente, se adaptou. Abriu o bar para atender os estivadores do Porto e assim começou a atrair as prostitutas, que atrairam toda a sorte de salafrários, que afastou os estivadores. Mas Mustapha pouco se importa com a clientela, prefere tentar viver. Á parte do nariz, adunco e um tanto avantajado, Mustapha não é aquele árabe que costumamos imaginar. Alto e muito forte, não aparenta os 50 e tantos anos que tem. Comumente vestido de forma muito simples, com uma calça velha de sarja e uma camisa larga de seda que sempre apresenta marcas de suor nas axilas e no peito. Ele se aproxima de mim, cordial.
- Como vai "a" senhor Pastor hoje? - diz, já me entregando um copo de conhaque
- Não, não, senhor Mustapha. Não vou tomar nada de momento. Vim atrás de uma informação.
- Mas claro. Sempre que Mustapha pode "ajuda" vai "ajuda". - Seu rosto toma uma feição de preocupação. Mustapha não gosta de se meter nos assuntos dos frequentadores do bar, porém considera ter uma dívida eterna comigo, de um dia que salvei sua filha de ser estuprada no beco atrás do Brady's. É também por esse motivo que nunca me deixa pagar por nada.
- O senhor lembra-se daquela morena com a qual saí daqui ontem?
- Mas sim, "aquele" "muita" bonita, não?
- Exato. Preciso de qualquer informação que o senhor possa ter.
- Mas veja bem. Mustapha não conhece "aquele" mulher. Não vem "muita" aqui. Já "viu" algumas vezes, mas está sempre "sozinho".

Porcaria.

Eu sei que é verdade. Mustapha não mente pra mim. E se ele não sabe, tampouco vou achar alguém aqui pra me ajudar.
- Grande Ray!
Ou sim.
Reconheço a voz rouca de Quentin atravessando a porta. Ele deixa o chapéu no mancebo ao lado da entrada e se dirige até mim. Sammy vem logo atrás.
- Caiu da cama, Ray? Achei que você ia ficar uns dois dias sem sair do quarto, hã? - Quentin dá uma encostada com o cotovelo na minha barriga, referindo-se àquela mulher. - Hey velho Mustapha, alguma mensagem pra mim no telefone?
Quentin atendia seus clientes diretamente do Brady's. Era bom pra ele, que não mantinha escritório fixo, e era bom para o bar, que mantinha o movimento intenso de apostadores, quase sempre ótimos bebedores.
- Pera ai Quentin dexa eu falar contigo rápido. Aquela mulher que saiu comigo. Você a conhece?
- Já a vi várias vezes, Ray. Mas não sei de nada além do nome, Elizabeth. - Quentin mostrava agora um certo desconforto. - Alguma coisa de errado?
- Tudo. Ela me largou em um Motel no Centro e voltou com uns capangas pra me pegar. Por sorte consegui escapar.
- Porra Ray, você tem certeza? Que merda, cara.
Achei muito estranho a exaltação de Quentin, porém relevei. Mas ao olhar para Sammy, percebo ele me fazendo um discreto sinal . Percebendo sua intenção, dou a deixa.
- Bom, qualquer coisa que acontecer me avise. Vou ver o que faço por enquanto.
Despeço-me de Mustapha e Quentin, e ao passar por Sammy dou um leve aceno com a cabeça que é facilmente entendido. Saio do bar e espero no beco ao lado. Alguns segundos depois, Sammy surge um tanto apressado.
- Senhor Pastor. Eu acho que o senhor deveria ver isso. - ele tira uma fotografia do bolso, a qual mostrava Quentin ao lado de uma mulher. Uma morena muito alta. Muito bonita. Elizabeth.

Filhos da puta.
Jogo a foto no chão e volto apressado ao bar. Quentin está falando ao telefone. Com um empurrão jogo-o para longe, ele tropeça e cai no chão aturdido.
-Calma Ray, qual o seu problema?
- Meu problema? Desgraçados como você! Esse é o meu problema. Só não gasto uma bala em você porque seria um desrespeito com Rita. Você não merece.
Levanto-o pelo colarinho e com um soco muito forte derrubo-o de novo.
- Pe-pera aí Ray, deixa eu explicar. - O sangue começa a escorrer de seu nariz.
- O Diabo, Quentin. Só me fala onde eu vou achá-la. Rápido.
- Não faça isso, cara, você não enten... - com um chute na cara, corto sua frase ao meio.
- Eu disse: Rápido!
- No Machines, cara. Ela trabalha em um galpão no Machines. O galpão da Aços Works. Mas eu te peço...
- Cala a boca, miserável. Se estiver mentindo, vou cortar cada pedacinho do seu corpo. E vou fazê-lo assistir a tudo.
Saio rapidamente pela porta e deixo Quentin sangrar. Mais tarde resolvo o que fazer com ele. Meu problema agora é outro. Dirijo-me a um taxi que está parado em frente ao porto e entro.
- Galpão da Aços Works, no Machines. Voando.

Rápido.
O táxi sai cantando pneu no asfalto quente da rua Innuendo rumo ao Machines. O Machines é um bairro vizinho ao Hot Space, onde se situava a gigante indústria Machines' World, que faliu após a prisão do dono da fábrica, Don Luca Valentino, que usava toda a estrutura que tinha em benefício do crime organizado. Após o fechamento da fábrica, todos os galpões foram revendidos entre pequenas indústrias, formando o bairro industrial que recebe o nome da antiga empresa, Machines.
O táxi chega logo ao destino, pago mais do que a corrida pedia, mas é um bônus pela rápida direção do motorista. Dou uma breve olhada ao redor procurando por algo supeito, mas está tudo calmo. Muito calmo. A porta principal do Galpão está entreaberta. Dou algumas batidas e entro. Um vigia se aproxima.
- Pois não?
- Vim encontrar alguém. A senhorita Elizabeth, sou um velho amigo.
- Elizabeth Valentino? - o vigia parece estranhar
Merda. Onde eu fui me meter. Não tinha mais como voltar atrás. Tento pegar Rita no coldre, porém o vigia se adianta e me acerta com um porrete. Desequilibrado caio para trás. Ele me dá mais uma cacetada. Minha visão fica turva. Antes de desmaiar, vejo pessoas se aproximando.

Pés
Sangue
Escuro

Traidor.

*continua...

No próximo episódio:
-Apague a luz e conte-me uma história sobre a ruína de um homem, que eu te falarei sobre desejos sombrios e falsidade. Você me fala sobre suas ações , vontades e fraquezas e eu vou dizer como é o caminho a seguir. Só você sabe como o homem chegou ao fim, mas só eu sei como a história vai terminar.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Explicações

Antes de ler o texto abaixo, uma leve introdução. O Pastor é um personagem criado por mim em meados de 2006, com referências diversas, de Dirty Harry a Raymond Chandler, do cinema noir às histórias em quadrinhos. Antes de ler esse texto, é importante ler o primeiro ( O Pastor - o início) e o segundo (Dia comum) para entendimento da mitologia do personagem. No texto abaixo também cruzo referências citadas no texto Só Entretenimento, escrito por mim e do texto O Retorno, escrito brilhantemente pelo Rogério, dono da personagem Loira Suicida.
Espero que gostem bastante, já que pretendo utilizar muito os crossovers de personagens de amigos e também virão por aí muitas outras estórias do Pastor.
'Nuff Said

Calmaria

A cidade dorme tranquila. Eu não.

O vento da tempestade passada ainda sopra em minha janela. No ritmo de meus suspiros, as últimas gotas soltam-se vagarosamente das folhas das árvores lá fora, como que resistindo contra a gravidade que as puxa no sentido oposto. Eu também resisto. Tento esquecer meu destino só por um minuto. A culpa não deixa. Com Rita repousando em meu peito, passo os meus olhos pelo quarto procurando algo que não está lá.Levanto-me e vou até a janela. Lá fora vejo alguns carros passando na rua que, durante o dia, não pára e também não anda. Estranhamente, nada acontece. Geralmente, meus ouvidos já ouviram de tudo nessa hora da noite. Hoje é o silêncio de Mercury City que me incomoda.

Resolvo dar uma volta, pra passar o tempo. Quem sabe alguns dedos de conhaque e conversa jogada fora preencham um pouco do vazio que povoa a minha mente. Desço a rua Sheer em direção à Jazz Square. Atravesso-a completamente até dobrar a esquina da rua Innuendo. É lá. Num dos cantos mais escuros da cidade que fica o Brady's.

O Brady´s é o tipo do lugar ao qual você não quer ir. Sujo, mal-cuidado, mal-frequentado. Ironicamente, é o lugar onde mais me sinto à vontade. Há algumas semanas a tal Loira Suicida matou um rascunho de detetive aqui dentro. Este é o Brady's. Se está procurando uma máscara para a culpa, ou um acelerador para seu instinto de autodestruição, veio ao lugar certo. O Brady's é o ponto de encontro das almas perdidas. Ao passar pela velha porta de vidro fumê, você sente todo o tipo de influência negativa que um local pode ter.Logo da entrada, se avista um palco acanhado ao fundo, onde algumas mulheres se apresentam de vez em quando. Cantando, dançando. As mesas da frente, umas 10 ao todo, são destinadas ao pôquer ou pequenas negociatas. No centro encontra-se o bar, ladeado por banquetas onde sentam-se os bêbados, boêmios e outros inofensivos cafajestes. À direita, o já citado palco, complementado com um velho piano. À esquerda, encostadas na parede, 5 mesas com divisórias entre uma e outra, como uma espécie de cubículo. É lá que acontecem os grandes esquemas, planos e negócios escusos.

Vejo os rostos de sempre. Logo, alguns demonstram estar pouco a vontade com minha presença. Não sou mais tão bem-vindo ao bar nos últimos tempos. Os que não estão incomodados por certo sabem que meu problema não é com eles. Não ligo nem um pouco para ladrões de banco, nem quadrilhas de caipiras que saem por aí assaltando casas.
Ando calmamente até o balcão e peço meu habitual copo de conhaque. Sento-me. Uma jovem morena senta-se ao meu lado. Não me incomodo nem em olhá-la. Mas após algum tempo, percebo que ela me olha fixamente. Incomodado, faço questão de demonstrar minha desaprovação.
- Não perca seu tempo, mulher. Não há nada aqui que você iria querer, acredite.
- Você é bonito.
Confesso que não esperava a franqueza, não aqui. Isso me desconcentra um pouco. Finjo que não ouço e retorno pro meu drinque.
- Minha mãe vive me dizendo pra tomar cuidado com assassinos, mas eu não me controlo.
- E onde está o assassino - pergunto com desdém.
- Não seja dissimulado. Eu te conheço, Pastor.
Deixa eu dizer uma coisa sobre a fama. É uma merda. Cada vez mais a escória da cidade me reconhece onde eu vou, isso me deixa puto. É bem mais fácil temer o desconhecido.
- Eu não ligo pra sua péssima fama. Eu gosto - Diz, com um sorriso no rosto.
Dou um último trago no conhaque e levanto-me para evitar o papo-furado. Dirijo-me até o lado esquerdo, rumo aos fundos do bar. Passo por uma fileira de trastes encostados no balcão sujo do Brady's. Sentados na última mesa, envoltos por uma fumaça densa de charuto barato estão Sammy e Quentin.

Os dois são as únicas pessoas com as quais mantenho contato frequente. Quentin é um bookie que aceita jogos de toda parte Oeste de Mercury City. Tem uma clientela bem diversa, que aposta regularmente. Se você procura apostar, vá ao Brady's e procure por Quentin. Futebol, Cavalos, torneios clandestinos de Pôquer e Boxe. Baixo e gordo, lembra muito um quero-quero, com as pernas finas e um topete que deixa todo o conjunto mais gozado.

Sammy é o assistente de Quentin. Muito calado e observador. É a perfeita antítese do patrão. Alto e magro, com um cabelo extremamente bem alinhado, com muito gel. Carrega um semblante tristonho e por vezes sombrio, impressão que é um pouco minimizada pelo avantajado nariz que brota-lhe do centro da face. Quando me aproximo da mesa, Quentin está falando.
- ...é o que te digo, Sammy. Mulheres com o tornozelo gordinho são péssimas de cama. Mas o contrário não é o ideal, meu amigo. As de tornozelo muito fino são até muito empolgadas e tudo, porém tem pouca técnica.
Enquanto fala, Quentin balança os dois braços, muito expansivo. Na mão direita segura o indefectível charuto e na mão esquerda o surrado caderninho de anotações, no qual anota as apostas.
- o que você procura é o meio-termo. nem muito grosso, nem muito fino. O meio-termo, Sammy. Esse é o esquema.
Quentin adora discutir amenidades.
- É ou não é, Raymond?
É estranho ouvir meu nome depois de tanto tempo.
Sammy desliza sobre o banco de dois lugares grudado ao chão, deixando um espaço para eu sentar. É o que faço.
- Não tenho idéia do que você ta falando, Quentin. - desvio o assunto rapidamente - Por acaso tem alguma novidade pra mim? Alguém gastando mais do que deveria?
- O de sempre, Ray. Nada fora do comum. - Quentin parece entediado com a pergunta - Por que diabos você não dá um tempo nessa de ser herói?
- Tem algo estranho rolando, Quentin. É latente, É palpável. Tem muito peixe pequeno andando com mais poder do que deveria e poderia por aí.
Sammy mantém-se imóvel, observando. Quentin aproxima-se de mim como se esperasse mais detalhes do que eu estava a dizer. Como eu não disse mais nada, disse ele.
- Olha, se quer minha opinião, Mercury City é a maior reunião de safados por metro quadrado. Se você for ficar sofrendo por antecipação, tá ferrado. Faça como eu, vai levando. Um dia de cada vez.
Quentin dá uma baforada densa e continua com o conselho.
- Ray, depois do que você fez com o último cara, ninguém vai se meter contigo por um bom tempo.
Enquanto termina de falar, o telefone do Brady's toca e Quentin levanta-se ligeiro para atender. Sammy permanece do mesmo jeito que estava no início da conversa. Consigo perceber o desconforto que sente com minha presença. Não o culpo. Enquanto Sammy toma uma golada de seu refrigerante de laranja, Quentin volta, animado.
- Simbora, Sammy. Arrumamos uma bolada na Bohemian Street. O velho McGurgeon abriu a carteira novamente.
Levanto-me para permitir que Sammy saia de seu lugar e retorno ao lugar de origem. Antes de sair, Quentin diz.
- Relaxa essa noite, Ray. Seu rebanho está na sombra por hoje. Até o Pastor tem direito à descanso.
Com um tapinha amigável no meu ombro, Quentin se afasta. Olho para trás e percebo a morena que continua me olhando fixamente do balcão. Remoendo os acontecimentos das últimas semanas, me deixo levar pelas últimas palavras de Quentin. Levanto-me calmamente, ajeito meu chapéu Panamá na cabeça e ando em direção à porta. No caminho, pego a morena pelo braço e sussurro em seu ouvido.
- Se é sua vontade, será minha essa noite e só essa noite. Sem perguntas ou maiores intimidades. De acordo?
Ela levanta-se sem pestanejar. Joga uns trocados sobre o balcão e gruda em meu braço como se fosse uma criança com medo de perder a mãe. Caminhamos juntos pelo bar rumo à rua. E depois rumo à qualquer Motel barato.
O vento já não sopra mais, as estrelas iluminam a noite de Lua nova. Nenhum carro à rua. Vou aproveitar a noite de calmaria. Deus sabe a tormenta que me aguarda.

A cidade dorme tranquila. A morena em meus braços também.

continua...

Dia comum

A maldade existe. Infame. Injusta. A maldade persiste.

Naquele canto sujo da cidade, àquela hora da madrugada, é claro que não poderia acontecer algo bom. As más intenções são como o vapor que sobe das tampas dos bueiros quando a noite esfria.

Ela caminha. A passada ilustra o medo. Apressada. E ela caminha. Rumo incerto à destino algum..

A uma esquina dali, ele observa toda a ação. Lacaio imundo. Mente perturbada pelas drogas. Disposição para matar. Disposição para morrer.

Ela se aproxima cada vez mais.

Ele aguarda. Ansioso pelo bote.

10. 5 metros. Ele já está em posição de ataque. Que tal se eu me juntar a brincadeira?

Com um salto, deixo o telhado sobre o qual eu me esgueirava. Surpreendido, o meliante deixa cair sua arma. A moça foge, assustada. Com um soco, o derrubo para trás, perto o suficiente para que ele role e alcance sua arma. Com agilidade surpreendente, ele faz um giro e mira em minha cabeça. Displicente, faz pouco caso da situação:

- É você, não? – diz com indício de sorriso no rosto

- Depende.

- Você, é aquele cara que ta assustando todo mundo por aí. O Fantasma. É você não é não?

- Se você quer acreditar que sim. Mas Fantasma já tem dono, eu prefiro Pastor.

- Pastor? Cara, isso ai não mete medo em ninguém. – A cada palavra ele dá um passo em minha direção. Um erro primário. Com um movimento rápido eu consigo dar um chute em seu pulso e ele solta a arma novamente. Dessa vez eu me adianto, pisando em cima do revólver. Abaixo-me calmamente para analisá-lo. É uma Ruger Mark I. Uma arma bem decente para um ladrãozinho imundo como esse. É óbvio que alguém mais poderoso está municiando a ralé da cidade. E é óbvio também que eu estou começando a incomodar. Ótimo.

Ao invés de estar apavorado, o vagabundo sorria ainda mais, como que inebriado de adrenalina. A mente insana funciona de maneira assustadora.

- HA HA HA HA HA HA HÁ! O Pastor me pegou! Que medo! E agora, você vai ler um trecho da Bíblia e me levar para o inferno?

- Pessoalmente não. Mas eu conheço um atalho. – Lentamente puxo Rita, minha Smith & Wesson 44, do coldre. Mas antes que pudesse fazer o disparo, o ladrão saca uma arma escondida na meia e dispara algumas vezes. Sinceramente, ainda não me acostumei com os tiros. As balas não me perfuram, óbvio, mas mesmo assim eu sinto uma dor irritante, algo parecido com a picada de uma vespa, só que mais forte. E isso me irrita bastante.

Ao ver os projéteis caindo após baterem em meu corpo, finalmente ele enxerga a realidade. E a realidade assusta. Tremendo, larga a arma e cai de joelhos.

- Meu Deus! – Exclama

- Tente de novo.

O estampido de Rita cala qualquer tipo de lamento por parte do ladrão. Seu caso está encerrado. Sorte dele. O meu está longe de ter fim.

A esperança existe. Incompreensível. Inexplicável. A esperança persiste.

O Pastor - O Início

Nada. É tudo o que eu ouço neste momento. É o silêncio mais insuportável que alguém poderia imaginar. O cano fumegante de Rita, minha Smith & Wesson Triple Lock .44, me lembra de minha sina, do meu Carma.

- Se você quer saber, não é de hoje que meu instinto assassino espanta as pessoas. Aos 9, matei um gato com uma fúria que só não era maior que o sorriso que carregava no rosto naquele momento. O espanto dos parentes já não foi tão grande quando tinha 14 e esmurrei um garoto que ousou caçoar de mim na escola. Os professores diziam que o exemplo vinha de casa, até hoje tenho dúvidas. Eu nunca fui covarde como meu pai. O imbecil bebia todo o dinheiro da família. Em casa, espancava minha mãe até ela desmaiar. Quando fiz 18, decidi que aquilo tinha que acabar. Na oportunidade que se seguiu, meu pai só teve tempo de erguer a mão até a bala do meu 44 morrer no seu peito. Pra garantir, tripliquei o serviço, cravando uma bala em cada olho do miserável.

- Esperava somente o agradecimento de minha mãe, porém, recebi um tapa na face que doeu mais do que se ela tivesse me atingido com uma faca afiada. Fui expulso de casa no mesmo instante. Naquela noite, não consegui dormir. Andei de bar em bar procurando amenizar minha agonia, porém só encontrei o fundo do copo. No último deles, arrumei uma confusão sem precedentes. Enquanto me atracava com 2 ou 3 brutamontes, não percebi o elemento escondido atrás de mim, que cravou uma bala de 38 na minha nuca - ou melhor, tentou. A bala bateu em meu crânio e rachou-se como se feita de giz. Todos fugiram assustados com a cena. Eu também tentei fugir. A minha primeira medida foi tentar de novo. peguei minha S & W .44 e atirei contra meu próprio peito. Qual foi minha surpresa ao ver o mesmo acontecer. Não sei se foi o excesso de bebida, mas aquilo me deu um novo propósito de vida. Juro que até enxerguei a vontade de Deus naquilo. Desde então tenho me dedicado a caçar persistentemente qualquer assassino que encontro pela frente. Uma vendeta alucinada, tentando preencher o vazio que me completa. Ja fui ferido algumas vezes. Nunca por balas. Não entendo até hoje o porquê de ter o corpo "fechado" contra projéteis. Nem se o terei até o fim da minha vida.

Sei que estou condenado. Quando Ele resolver me levar, tenho certeza que não vai ser para um bom lugar. Mas é o trabalho d’O Pastor. Sacrificar-se para o bem do rebanho, conduzindo-o para seu rumo correto. Não, não penso que sou uma espécie de Messias, sou apenas uma conseqüência do caos existente no mundo. Dizer que Deus escreve certo por linhas tortas é bobagem, lugar comum. Na verdade o ser humano é que não sabe ler. Se me arrependo do que faço? Claro. Mas alguém tem que fazer o trabalho sujo, não? Estou preso numa redoma de falsidade e mediocridade que eu mesmo criei, estive aqui ontem, hoje; amanhã pago por isso.

- Agora, seu espanto foi algo comum. Você descarregou toda sua munição contra meu peito e nada aconteceu. Quem sou eu? Eu sou O Pastor e creio que respondi a questão que me fez antes de eu enfiar uma bala em sua cabeça. Pena você não ter me ouvido, estava muito a fim de um papo hoje. Quem sabe na próxima.

É o silêncio mais insuportável que alguém poderia imaginar. É tudo o que ouço neste momento. Nada.